Consciência: Agente Essencial ou Epifenômeno?
Uma Análise Científica e Filosófica sobre o Papel da Consciência na Capacidade Humana de Compreender o Mundo
Esse é um dos dilemas mais difíceis, pois toca em fronteiras da filosofia, neurociência, física, matemática e computação, e até agora nenhuma posição conseguiu demonstrar, de forma absolutamente definitiva, sua superioridade explicativa ou sua comprovação empírica integral. Vamos apresentar o dilema em duas linhas, com rigor técnico e objetividade:
1. A Consciência como imprescindível para o conhecimento e compreensão
Sob essa perspectiva, a consciência não seria meramente um epifenômeno secundário (ou seja, algo que apenas emerge sem importância causal própria), mas sim uma função essencial que permite autoavaliação crítica, um processo de verificar se realmente entendemos ou estamos apenas “pensando que entendemos”, como apontado por Richard Feynman; meta-raciocínio, que implica raciocinar sobre o próprio raciocínio, revisar hipóteses, modelos, testar coerências internas e externas; orquestração de processos intuitivos, cognitivos e emocionais, coordenando-os para perceber relações, fazer analogias entre fenômenos aparentemente distintos (como entre física e matemática ou sociologia e estatística).
O teorema da incompletude de Gödel sugere que qualquer sistema formal suficientemente complexo contém afirmações verdadeiras que não podem ser provadas dentro do próprio sistema. Alguns argumentam que a consciência poderia ser esse “observador externo” capaz de reconhecer verdades, mesmo quando o próprio sistema lógico não pode demonstrá-las internamente (posição defendida por filósofos como Roger Penrose).
Estudos que mostram como o estado consciente aumenta a capacidade de resolver problemas novos (criatividade, improviso) e neuroimagem indicando que a autoconsciência ativa regiões específicas do cérebro (rede de modo padrão, córtex pré-frontal medial) envolvidas com raciocínio abstrato, planejamento e autoavaliação crítica, são evidências dessa hipótese. Porém, há também suas fragilidades: dificuldade de comprovação empírica direta: não temos experimentos conclusivos mostrando que sem consciência seria impossível compreender certos fenômenos, e possibilidade de que seres ou sistemas artificiais inconscientes possam executar operações complexas aparentemente conscientes (problema do “zumbi filosófico”).
2. A Consciência como epifenômeno (resultado emergente)
Aqui, a consciência não possui causalidade direta sobre o conhecimento, entendimento ou capacidade crítica, sendo apenas um subproduto emergente de sistemas complexos, como o cérebro humano. Sua aparição seria decorrente da atividade integrada e complexa das redes neurais, sem que tenha papel fundamental em conduzir ativamente os processos que levam à compreensão. O cérebro é uma rede biológica complexa; quando sistemas alcançam certo grau de complexidade, geram fenômenos emergentes, dentre eles a consciência. O raciocínio lógico, a capacidade crítica e a criatividade poderiam existir como processos automáticos, determinados por redes neurais e operações matemáticas ou computacionais complexas, sem que precisem de consciência.
A consciência seria uma espécie de “observador interno passivo”, que se ilude achando-se protagonista, embora as decisões e ações já tenham sido tomadas inconscientemente pelo cérebro (vide experimentos clássicos de Benjamin Libet sobre decisões conscientes serem posteriores a decisões inconscientes).
Experimentos mostram decisões inconscientes sendo tomadas antes de haver qualquer consciência da decisão, e demonstrações recentes de sistemas artificiais de IA (como GPTs e sistemas generativos avançados) capazes de realizar raciocínios sofisticados e análises aparentemente conscientes sem que haja qualquer indício ou necessidade de consciência nesses sistemas, corroboram essa compreensão da consciência. Entretanto, isso não explica satisfatoriamente como a consciência, sendo epifenômeno, possa persistir evolutivamente, já que em teoria não teria vantagem adaptativa direta, assim como não resolve o problema da experiência subjetiva (qualia): por que e como experiências subjetivas existem a partir de processos automáticos?

Até onde sabemos, e onde começam as especulações:
Até o presente momento, sabemos que certos processos mentais acontecem antes da percepção consciente. O cérebro toma decisões inconscientes antes de informá-las à consciência; sabemos que é possível, com máquinas não conscientes, realizar raciocínio lógico avançado, criar modelos, testar hipóteses e simular fenômenos complexos. A existência prática dessas capacidades em sistemas artificiais é um fato empírico já amplamente comprovado. Sabemos também que a consciência tem forte associação com capacidades críticas e criativas, além de autoconsciência e metacognição. Contudo, não sabemos se essas capacidades poderiam surgir, em princípio, sem consciência.
Começa a especulação quando afirmamos que é impossível compreender plenamente fenômenos sem consciência, pois não há evidências empíricas conclusivas de que a consciência seja causalmente necessária para tal, ou quando tentamos extrapolar o teorema de Gödel diretamente para explicar o papel da consciência humana (como propôs Roger Penrose, hipótese ainda altamente controversa e não consensual).
No momento atual do conhecimento científico, ambas as hipóteses permanecem em aberto. A primeira hipótese é filosófica e intuitivamente atraente, mas carece de comprovação científica definitiva. A segunda hipótese é cientificamente mais parcimoniosa, pois não atribui causalidade extra ao fenômeno consciência, mas também não resolve problemas cruciais, como o surgimento da experiência subjetiva e o aparente papel da consciência em processos críticos.
Por enquanto, não podemos resolver este dilema com certeza científica absoluta. Devemos manter abertura para ambas as hipóteses enquanto avançamos em pesquisa empírica e teórica, e continuar perguntando, como recomendaria Feynman, se realmente entendemos o que achamos que entendemos.